domingo, 27 de setembro de 2009

O que é um real ?

Nesses dias, eu estava dentro de uma van indo trabalhar e, pra variar, mexia na minha bolsa procurando algo (já não me lembro mais o que era). Então, caiu uma pilha da minha bolsa, não uma qualquer, era recarregável - o que me motivou a sair do banco e a procurar, olhando debaixo da cadeira onde estava.
Vi, além do que eu procurava, uma moeda de um real ao lado da pilha, vinda gratuitamente pra mim. Um passageiro que estava atrás de onde estava sentada, pegou os dois objetos e me deu.

Fiquei a tarde toda analisando a situação com que aquela moeda chegou a mim gratuitamente, é estranho, pois fui tentando "trocá-la" mentalmente. Pensei cá com meus botões no passar do dia: "com esse R$ 1 real posso economizar na passagem", "comprar um cafézinho", "guardar como uma moedinha da sorte", entre outros pensamentos.

A noite, voltando do trabalho, entrou um rapaz no ônibus com um violão, começou a cantar músicas sertanejas, como "o menino da porteira" e solicitando qualquer trocado dos passageiros. Pensei no R$ 1. Me questionei: - será que o destino me deu essa moedinha pra que eu pudesse gratificar esse cantor nômade ?. Pensei, mas não fiz, guardei a moeda.

Esse R$ 1 também me lembrou bastante outra situação. A do menino Mateus, morto por uma bala perdida, com um realzinho na mãozinha agarrado, o qual seria utilizado na compra de pães para a família. Qual foi o valor do R$ 1 nessa hora????

Triste, mas infelizmente repetitivos, os momentos em que um inocente é morto por bala perdida dentro das favelas (veja fotos do favo no Viva Favela). Deley de Acari, Poeta e Animador Cultural, entristecido com tal situação de Mateus, fez um poema que nasceu da indignação. Como tive a oportunidade de conhecer Deley e de me emocionar com tal poema em uma aula, segue-o na íntegra (inclusive o comentário do grande poeta ):

UM REAL NA FAVELA VALE MUITO

UM REAL NA FAVELA VALE MUITO In memorian de Mateuzin da Baixa da Maré (estudo ainda inacabado de um poema inspirado numa foto em aparece a mão ensanguentada de mateuzin com um real )

Um real na favela vale muito,
Vale o pão do café das mães,
Vale meia dúzia de “ovo”
Pra misturar no miojo do almoço,
Vale uma viagem pelo mundo
Nos caminhos imensuráveis
Da web,Um real na favela vale muito,
Vale um guaravita e um traquina
Pra enganar a barriga, até chegar
Em casa quando falta merenda
Na escola,Um real na favela vale muito,
Um real, de prata e dourado,Reluzente o ao sol
Alumbrando a alma sublime
Na palma da mão de um
Menino morto por um estadoPolicial fascista cruel e desumano...
A prata de moeda denuncia
A espada da perversa guerra,
O ouro da moeda denuncia
A ganância da classe dominante
E sua sanha de poder,
A pequena mão espalmada
Mostrando a moeda é a própria
Mão do Tribunal PopularPermanente do Mundo sentenciando
Que a vida de uma criança
Não tem preço, não se mede por dinheiro,
Ela é imensurável, como seus sonhos,
Suas esperanças, seu futuro, sua vida,
Um real na favela vale muito,
Um real na mão de uma criança
Assassinada numa viela de favelaPela cruel e desumana mão armada Do estado policial é uma sentença muda:O Estado Policial Não presta, e antes Que reduza a vida no Campo, favela e na periferia
A uma prata de real,
É preciso, sentar no banco dos réus
Do Tribunal Popular dos Povos,
Ser julgado, condenado e sentenciado
A ser destruído e reduzido a nada.
Um real na favela vale muito,
Quando na mão espalmada
De uma criança morta pelo estado...
Porque mostra os governantes
Não prestam, não valem sequer
Um real de pinga aguada.

* * *
Você não está sozinho Deley, indignação com tanta repetição de violência dentro das comunidades também é um filha abraçada por muitos. E a moeda que achei e a que estava na mão de Mateus, com certeza foi gasta normalmente, sem ser lembrada como o amuleto do dia.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Uma vitória do funk, ou uma vitória do Povo?

Eu tô tão orgulhosa dos meus amigos: MC Júnior, MC Leonardo e meus amigos da UFF (que saudades!). Na verdade, estou orgulhosa de todos que estiveram envolvidos na revogação da Lei 5.265/08, assinada por Álvaro Lins (é .... aquele mesmo que foi cassado!!!). Leonardo, encabeça a APAFUNK ( Associação dos Profissionais e Amigos do Funk) e tem tudo a ver com essa grande vitória. Parabéns!

A tal lei – classifica o funk de uma forma tão discriminatória, explicitamente preconceituosa, ela estabelece duras regras, fora de qualquer contexto viável para a realização dos eventos de bailes funks e também de música eletrônica.
Hoje, dia 1º de setembro - mesmo passando de 00h, ainda é dia 1º pois não ainda não dormi kkkkk – foi um dia que ficará na história dos que lutam para que o movimento funk possa ser abraçado como uma forma de expressão e não como um ritmo marginal, fora dos padrões desta meia “sociedade” – a qual tem quadradamente esta idéia.


Bem, voltando ao assunto. Hoje, na ALERJ (Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), aconteceu uma sessão extraordinária. Nela, foram votados, além da revogação da já citada “ Lei Lins ” , os projetos de Lei 1.671/08 e 1.983/09, também foram votados. Nestes projetos é solicitado que o funk seja retratado como um movimento cultural, musical e de caráter popular ( BINGO!!! Ê, ê, ê, ê,ê).

Artistas conceituados, de Fernanda Abreu a Neguinho da Beija-Flor estiveram presentes na Alerj. Realmente estou radiante e sei que essa luta começou com o MC Leonardo (sou sua fã Léo) que em momento nenhum pensou em desistir e que agrega a busca pelos direitos dos MC´s. Léo continua inspirado a retratar a favela de uma forma primorosa e talentosa.


Funk? O que implica na vida de todos?????

Acho inacreditável como ainda há uma visão completamente distorcida do que vem a ser o ritmo. As pessoas acham que só o ´proibidão´ (que na verdade de proibido não tem nada, pois é só buscar no Google a palavra que vai aparecer centenas de músicas para baixar) pode ser o funk. Acham, mas... não deixam de freqüentar festinhas e baladas com o ritmo. Não deixam de curtir em qualquer boate, por mais cara ou bem localizada que seja, o som fervente no final da noite e aproveitam-se disso pra rebolar até o chão.

Outra coisa incontestável: o funk tem que voltar como forma de expressão. Literalmente. Ele tem que retratar a alegria e as dificuldades vividas no Rio e principalmente nos espaços populares. Claro que ele já faz isso, mas... tem que crescer mais e mais. Há muita peculiaridade da vida de cada MC que vale a pena ser colocada nas letras do funk e multiplicada no dia-a-dia não só nas classes menos favorecidas. Ele tem que ser multiplicado em toda a sociedade.
Mr. Catra ganha dinheiro cantando em “inferninhos” e enchendo grandes casas de show.

Será que o rap do Silva, ou a música `Rio de Janeiro Chumbo Quente`, não merecem o mesmo espaço? Ou só a `putaria´ vende?

Querem saber mais da luta da APAFUNK e do meu amigo Leonardo? É só clicar.

Na verdade, o funk não vai sair da favela só porque meia dúzias de pessoas querem. Ele já está na veia dos moradores, no cotidiano, no lazer. Em se tratando de letras que são de tirar o fôlego, falei da versão de Júnior e Leonardo, Rio de Janeiro Chumbo Quente. Toda vez que ouço essa música me arrepio, de verdade. Segue a letra ok?


Rio de Janeiro Chumbo Quente – de MC Júnior e MC Leonardo

Infelizmente já morreu muito inocente
Nessa guerra deprimente
Onde reina a lei do cão

A decisão pra combater vagabundo
Prejudica todo mundo quando é o caveirão
Os caveiras são treinados pra deixar corpo no chão
Os bandidos sabem disso e trocam tiro de montão

Dizem que a bala é perdida
Mas quem tá perdido é a gente
Salve-se quem puder
Porque no Rio o chumbo é quente

E facilmente várias armas e vários pentes
De calibres diferentes vêm chegando no morrão
Vem munição de toda parte do mundo
Vários tiros por segundo
Lança míssel, granada e rojão

Pros menores preparados cheios de disposição
Para enfrentar a polícia e o bandido alemão
Traficantes, Governantes, por favor pensem na gente!
Salve-se quem puder
Porque no Rio o chumbo é quente